23/11/2017

Casal de Artur Nogueira luta para tratar filho com síndrome rara

Criança de dois anos foi diagnosticada com Síndrome de DiGeorge, anomalia genética que muitos pais ainda desconhecem

Da redação

“O Artur não anda e não fala. A gente não sabe se algum dia ele vai andar ou falar”, conta Marcela Santos. Artur Miguel é o filho dela, que tem apenas dois anos de idade e já viveu mais histórias do que muitos adultos. Isso porque ele foi diagnosticado com uma anomalia genética rara e complexa, a Síndrome de DiGeorge, que pode lhe proporcionar muitos outros problemas de saúde pelo resto da vida.

Com uma condição financeira limitada, Marcela e seu marido, Ricardo Silva, ambos de 24 anos, travam uma luta diária contra a condição do pequeno Artur. Esta quarta-feira, 22 de novembro, foi o Dia da Conscientização sobre a Síndrome de DiGeorge, também conhecida como Síndrome da Deleção 22q11.2 – de onde foi tirada a data.

Essa conscientização, segundo o casal, é feita de maneira informal por pais de crianças diagnosticadas com a anomalia genética, já que não há um programa oficial do governo nesse sentido. O engajamento dos dois na causa foi motivado, entre outros fatores, pela própria experiência deles, que demoraram a descobrir a síndrome do filho – especialmente por causa de uma sucessão de desacertos médicos.

Começo difícil

Artur Miguel nasceu no banheiro de casa com apenas 1,6 kg e 46 cm. Era mole como uma gelatina, segundo a mãe. Ela já possuía outro filho, Davi, e foi pega de surpresa pela forma rápida como o segundo parto ocorreu. Não deu tempo nem de a ambulância chegar. O pequeno Artur veio ao mundo com ajuda de uma tia e de um vizinho.

A forma inusitada como foi dado à luz, no entanto, era apenas a primeira das muitas adversidades que a criança viria a enfrentar.

Marcela passou dois dias no hospital após dar à luz o filho. “E não identificaram nada quando estávamos lá. Nada”, comenta a jovem mãe em esconder que não se conforma até hoje com isso. Artur não mamava direito e tinha um corpo estranhamente flácido. Mas os médicos da cidade disseram era normal.

Após 30 dias, conseguiram ser atendidos pela pediatra. Ela examinou a criança e não identificou nada errado. Alguns dias depois, Artur estava em casa, brincando, quando começou a ficar roxo. Muito roxo. Os pais se desesperaram. Com ajuda de um motorista que passava na rua, levaram o filho mais uma vez ao hospital da cidade.

A médica que os atendeu disse que era apenas saliva, mas que não havia nada de errado com o bebê. Com 47 dias de vida, Artur não havia ganhado quase nenhum peso e foi para a segunda consulta com a pediatra. Desta vez, porém, a especialista notou que ele possuía um sopro no coração.

A mãe, já muito preocupada por causa do diagnóstico, comentou que Artur possuía uma mão que parecia não ser saudável, que ele continuava muito pequeno e mole, e que se engasgava com frequência ao mamar. A médica disse para ela não se preocupar, que era normal, que cada criança se desenvolve do seu próprio jeito. A conversa não convenceu Marcela.

Dois dias de vida

A médica pediu um ecocardiograma do bebê, mas os pais não encontraram um lugar em Artur Nogueira que fizesse o exame em crianças. Desconfiados do que haviam ouvido dos médicos da cidade, procuraram atendimento no hospital de Cosmópolis (SP), local onde os pais não estavam preparados para o que ouviram.

O médico que os atendeu confirmou que Artur possuía uma cardiopatia, mas acrescentou que ele estava com pneumonia em decorrência do problema de coração. “Ele nos falou que o Artur tinha apenas mais dois dias de vida e que, se não o levássemos imediatamente para uma UTI, ele morreria”, relembra a mãe.

Marcela e Ricardo correram para a Santa Casa de Limeira (SP), onde conseguiram internar o bebê. Os médicos do local confirmaram o sopro no coração de Artur e reafirmaram a necessidade de um ecocardiograma – que só não foi feito naquele dia porque o aparelho do hospital que faz o exame havia sido roubado na mesma semana.

Após alguns dias de aflição, os pais conseguiram um lugar para realizar o exame e foram informados que a pneumonia fora curada. Artur precisaria de uma cirurgia para corrigir o sopro, mas, até lá, receberia acompanhamento de um cardioterapeuta no hospital da PUC de Campinas (SP).

Com três meses de vida, Artur foi para uma consulta na PUC – e ficou 21 dias internado. Os médicos da instituição perceberam que havia muito mais na criança do que uma doença do coração.

Assim, após três semanas de exames intensos, os especialistas identificaram uma série de problemas no desenvolvimento de Artur. Eles também sabiam que ele possuía uma síndrome, entretanto não conseguiram identificar qual até então.

Síndrome de DiGeorge

“O pessoal da PUC fala que é absurdo outros médicos não terem visto nada”, conta Marcela, indignada. Os especialistas da unidade hospitalar de Campinas (SP) identificaram que Artur possuía atraso neuropsicomotor, quadro sindrômico, problema nos rins, cardiopatia, craneocestose, entre outras coisas.

Demorou pelo menos mais um ano – e muitas consultas, exames, uma cirurgia e outra pneumonia (pior que a primeira) – até que o diagnóstico fosse fechado. E isso só aconteceu depois que a Prefeitura de Artur Nogueira pagou o exame genético necessário. Finalmente, os pais souberam: Artur é portador da Síndrome de DiGeorge.

A Síndrome de DiGeorge é uma desordem congênita rara que afeta o desenvolvimento do timo, glândula paratireoides e parte do arco aórtico. Ela é originada por mutação em um gene ou em um grupo de genes adjacentes no cromossomo 22 (22q11). São muitas as características da síndrome. Entre elas:

  • Orelhas implantadas mais abaixo do que o normal;
  • Boca pequena;
  • Fenda palatina;
  • Ausência do timo e das paratireoides;
  • Anomalias cardíacas;
  • Atraso mental;
  • Déficit de crescimento;
  • Convulsões;
  • Cianose;
  • Problemas de aprendizagem;
  • Problemas cognitivos e comportamentais.

Hoje, Artur ainda não fala e não anda. Como será o desenvolvimento dele ainda é um mistério para os pais. De acordo com eles, crianças com a síndrome possuem um desenvolvimento tardio – inclusive de complicações decorrentes da anomalia genética. “Ou seja, a gente tem que esperar mesmo para ver o que o Artur vai conseguir desenvolver. Eles crescem relativamente normais, mas demoram mais no desenvolvimento”, afirma Marcela.

“E vamos esperar. Se o Artur andar, amém. Se o Artur falar, amém”.

Rotina

Por causa da condição de Artur, a rotina da família é puxada. Marcela não tem condições de trabalhar; apenas o marido trabalha em um frigorífico da cidade. A mãe vai três vezes por semana – segunda, terça e quinta – para Campinas (SP) no Centro de Reabilitação Lucy Montoro. Lá, Artur faz fisioterapia e terapia ocupacional, se consulta com fonoaudiólogo e nutricionista, além de receber cuidados de enfermagem e serviço social.

O bebê também precisa passar por vários médicos a cada dois meses, como neurologista, geneticista, cardiologista, pediatra, otorrinolaringologista e imunologista. Todas as consultas são em Campinas (SP), na PUC. Todo o transporte é feito pela Secretaria de Saúde de Artur Nogueira, num carro especial, já que Artur não pode permanecer em ambientes com muitas pessoas (ele possui imunodepressão).

Por conta dessa limitação de Artur, ele não pode ir à creche – nem a festas de aniversário, igrejas, ônibus ou parquinhos cheios de crianças. O máximo que os pais conseguem fazer é leva-lo a uma sorveteria, e só se não tiver muita gente. E o passeio não dura mais do que 30 minutos. A educação dele é realizada totalmente pela mãe, dedicada exclusivamente a ele.

A interação social de Artur é feita com familiares, amigos e com o irmão, Davi, de três anos. Eles brincam com os brinquedos em casa, no chão que é limpo diariamente com álcool. Um grande pote de álcool em gel, colocado sobre a divisória da sala com a cozinha, alerta a todos que é preciso tomar cuidado antes de fazer carinho ou pegar o bebê no colo.

Campanha

O dia 22 de novembro foi lembrado por milhares de pais como uma data dedicada à conscientização sobre a Síndrome de DiGeorge. “Não é um dia mundial porque a síndrome não é ainda tão conhecida”, explica Marcela. Segundo ela, não é conhecida porque o governo não investe nisso. “Você não vai ver na TV alguma conscientização sobre a síndrome. Então estamos fazendo essa campanha informal para divulgar”.

Marcela conta que há muitas pessoas interessadas em ajudar, mas há pouca informação sobre a doença – que acomete cerca de 15 mil bebês por anos apenas no Brasil. “Participo de um grupo no Whatsapp, mas só tem 70 mães. Cadê esses 15 mil pais. Tem? Sim, mas não sabemos onde, estão por aí, sei lá”, comenta.

Ela afirma que conheceu pais que só descobriram que o filho tinha a síndrome quando este já estava com 10 anos de idade. A falta de informação, segundo Marcela, é a maior responsável por isso. “Em muitos casos, as famílias não sabem. A criança pode estar com um problema cardíaco associado à síndrome, e os pais não sabem”.

Além disso, os exames para o diagnóstico são muitos caros. Só a varredura de cromossomos custa cerca de R$ 5 mil. “É por isso que nós mães estamos realizando essa campanha, para ver se chega até lá em cima, para que o governo possa nos ajudar a divulgar e ajudar essas crianças, melhorar os tratamentos e ninguém descobrir a doença só 10 anos depois”, resume Marcela.

Além do grupo no WhatsApp, Marcela participa de grupos sobre a síndrome no Instagram e no Facebook.

Futuro

Apesar dos desafios, Artur crescerá num ambiente em que as pessoas se empenharão ao máximo pelo seu desenvolvimento e bem-estar. “Minha expectativa é que o Artur cresça e tenha tudo o que uma criança possa ter”, afirma Marcela.

Algumas situações entristecem os pais do bebê. “Sábado, por exemplo, aconteceu o casamento da minha irmã, e a gente não pôde levar ele porque tinha muita gente. Tem lugar que tem crianças e que a gente gostaria de levar ele, mas não podemos. Isso nos deixa muito triste”, conta Ricardo. “A gente quer que ele cresça e seja feliz”, ressalta.

“Ser uma criança especial ou não, é só um detalhe. Ele será especial para nós independentemente da síndrome”, afirma a mãe. Em seguida, olhando para o filho que brinca em seu colo, fala com a voz cheia de afeto: “Não é, Artur? Vai poder fazer tudo o que eu fizer”.

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