07/05/2017

Psicóloga de Artur Nogueira fala sobre jogo Baleia Azul e depressão em adolescentes

Sabrina Tanajura explica o motivo pelo qual adolescentes se envolvem com o jogo, e comenta efeitos da série “Os 13 Porquês”

Da redação

Casos de depressão e de suicídio entre adolescentes se tornaram assunto in voga nas últimas semanas devido à repercussão da série “Os 13 Porquês”, da Netflix, e do misterioso jogo Baleia Azul. Muitas famílias demonstraram preocupação com respeito ao jogo e aos efeitos que o seriado teen pode ter na mente de pessoas já diagnosticadas com depressão. As redes sociais foram tomadas por comentários sobre o assunto, alguns redigidos com conhecimento de causa, outros, apenas com boa vontade.

O Portal Nogueirensepublicou uma matéria sobre o Baleia Azul e fez uma enquete sobre o assunto. No entanto, para levar mais informações às famílias nogueirenses e impedir que casos de depressão e suicídio se alastrem pelo nosso município, decidimos conversar com uma especialista, a psicóloga Sabrina Fernandes Tanajura. Formada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas, ela possui MBA em Gestão de Pessoas pela Universidade Metodista de Piracicaba e especialização em Terapia Cognitivo Comportamental focada em Stress pelo Instituto de Psicologia e Controle do Stress – Marilda Lipp, e atende atualmente na Clínica Preventive, em Artur Nogueira.

Nesta entrevista, Sabrina explica o que é e quais as causas da depressão, tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes. Ela também comenta o seriado e o jogo, analisando o que leva os adolescentes a se envolverem com um game autodestrutivo e como o seriado pode ajudar os espectadores a identificar sintomas da depressão em si ou em amigos. Confira:

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A depressão é uma doença ou apenas um estado de espírito abatido? A depressão é uma doença. Inclusive, hoje, com a ajuda do desenvolvimento da neurociência, vemos cada vez mais os impactos que as questões hormonais têm no funcionamento da parte emocional. É sim uma doença! A ideia mais difundida sobre o funcionamento da depressão é a de que no cérebro dos depressivos não havia quantidade suficiente de serotonina. Entretanto, pesquisas recentes têm apontado que os hormônios do estresse (cortisol e derivados da cortisona) têm sido os responsáveis por prejudicar a saúde dos neurônios, bem como alterar estruturas do cérebro responsáveis pelas emoções. Tendo em vista que uma parte da estrutura do cérebro está prejudicada, pode-se dizer que isso contribui para que a pessoa tenha uma visão diferente e pouco adaptativa sobre si mesma, os outros e, também, o mundo. Ou seja, ocasiona uma distorção de pensamentos que chamamos de distorção cognitiva. Enfim, repito, é uma doença e precisa de um tratamento.

É possível vencer a depressão sem ajuda médica ou todos precisam do acompanhamento de um profissional? Eu acho que o primeiro ponto importante é fazer uma avaliação para descobrir o nível desse estado depressivo. Pois existe a diferença entre tristeza e depressão. A tristeza, por exemplo, surge se perdemos um ente querido ou nos chateamos com alguma coisa. Ela aparece, mas em algum momento ela passa. Já a depressão, como envolve a questão hormonal somada a distorções cognitivas e comportamentos desadaptativos, tende a não passar; por isso, necessita de uma ajuda profissional. Esse auxílio pode vir de duas formas: primeiro, fazendo uma avaliação para definir exatamente se é um estado depressivo e, identificando isso, podemos trabalhar com terapia e, dependendo do caso, com a complementação medicamentosa. Então, uma pessoa identificada como depressiva precisa, sim, de atendimento. Ela precisa de terapia para lidar com a cognição alterada e criar estratégias para desenvolver comportamentos que sejam muito mais funcionais, além dos medicamentos, que irão regular esse sistema, já que o organismo não está funcionando direito. Além disso, as pesquisas recentes também têm demonstrado o quanto a modificação das distorções cognitivas colabora com a regeneração das estruturas modificadas pelos hormônios do stress.


“A depressão é uma doença”


O que leva uma pessoa a desenvolver a depressão? A princípio, acreditava-se que era uma condição do organismo da pessoa (serotonina). Entretanto, com as pesquisas recentes, percebe-se que o que mais contribui para o desenvolvimento da depressão é o estresse, especialmente na infância e na adolescência. Mas são inúmeros os fatores que levam uma pessoa à depressão. Todos nós somos formados pela combinação de diferentes fatores: genética, temperamento, ambiente, entre outros. Existem pessoas que terão por viverem em ambientes desfavoráveis, e outros por apresentarem certa predisposição orgânica devido herança genética, por exemplo. O funcionamento do organismo não está legal, então já é uma condição dela. Existem ainda outros fatores, como, por exemplo, o estresse pós-traumático. O que isso significa? Situações intensas que levam a pessoa a ter um nível de estresse elevado. Por exemplo, se eu sou sequestrado, se eu sou assaltado, se sofro um acidente no trânsito, sou abusado, sofro algum tipo de violência isso abre uma porta para eu sofrer um estresse agudo. Se isso não for tratado, pode abrir uma portinha para a depressão. Novamente a gente está falando de uma questão hormonal. O estresse libera uma série de hormônios, e isso faz nosso organismo funcionar de um jeito diferente. Se eu tenho uma predisposição, isso pode aparecer depois em forma de depressão. Perder um ente querido, estar diante de uma doença grave, o fim de um relacionamento, bullying, abuso sexual ou físico, negligência, agressão psicológica, perda de emprego, enfim, são N situações que podem nos levar a desenvolver um quadro de depressão, especialmente, se não tivermos estratégias funcionais para lidar com cada uma delas. É importante lembrar que a questão hormonal tem impacto, mas a forma como pensamos e agimos diante das situações pode ser um fator potencializador do hormônio ou regular a nossa condição emocional.

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Recentemente, a polêmica envolvendo o jogo Baleia Azul reascendeu o assunto de depressão e do suicídio entre adolescentes. Na sua opinião, por que os casos de depressão e suicídio entre adolescentes são cada vez mais comuns? A primeira coisa que precisamos considerar sobre esse jogo é que a maior parte da população que está sendo atingida são adolescentes entre 12 e 16 anos. Neurologicamente falando, o adolescente ainda não está pronto. Estudos apontam que o sistema neurológico fica pronto no início da vida adulta. Pelo fato de o sistema neurológico não estar pronto na adolescência, alguns crivos acabam não acontecendo. Então o adolescente não consegue discriminar o que é totalmente correto, o que é totalmente errado e quais as consequências. Esse é um ponto que precisamos entender. O adolescente não está completamente maduro para compreender algumas coisas em comparação com o adulto. A consciência sobre a morte, por exemplo, algo extremamente subjetivo enquanto elaboração, só se dá por volta dos 12 anos. Dito isso, que é algo que remete ao desenvolvimento e a questões neurobiológicas, é preciso então considerar os outros fatores que podem contribuir para o desenvolvimento da depressão e o aumento na taxa de suicídio. Algumas pesquisas têm apontado que o bullying e o cyberbullying têm contribuído para o aumento da depressão, e uma vez que se tem um aumento na taxa de depressão, amplia-se as chances de casos de suicídio.Vale lembrar que fatores como relações familiares complicadas, o uso de álcool e drogas também aparecem associadas a quadros depressivos.

O que pode levar um adolescente a se interessar por esse tipo de atividade? O jogo atinge tanto essa faixa da população porque eles não têm clareza ainda das consequências disso. O que um suicídio significa? Quais os impactos? Quais as consequências para quem fica? Eles não entendem, não conseguem dimensionar isso. E qual a relação com a depressão? Crianças e adolescentes também desenvolvem essa doença. Muitas vezes porque já é uma condição do organismo deles, muitas vezes porque estão num ambiente pouco favorável. O adolescente está passando por uma série de mudanças e não sabe como lidar com isso. Um menino que está naquela fase de alteração de voz, por exemplo. Vão haver amigos que tirarão sarro dele. E como ele vai lidar com isso? É uma brincadeira? É um bullying? E se minha família está com dificuldades, se eu estou passando por uma série de mudanças que me geram dificuldades, eu posso estar falando de um nível de estresse que está abrindo portas para a depressão. Desta forma, juntamos fatores (estar em desenvolvimento, estar passando por mudanças, estresse, depressão) que aumentam a vulnerabilidade desses adolescentes. E neste momento de suas vidas, quem os está ouvindo? Quem eles têm encontrado que se mostram abertos a escutar, sem julgar, o que está acontecendo com eles? Talvez os envolvidos com o jogo.


“O adolescente está passando por uma série de mudanças e não sabe como lidar com isso”


Como os pais podem identificar a depressão em seus filhos? E como eles devem lidar com a situação? Quando falamos em crianças e adolescentes, precisamos ver o nível de irritabilidade. Às vezes eles não sabem muito bem o que estão sentindo. Infelizmente, educação emocional não faz parte da grade das escolas. Então, às vezes, nos deparamos com crianças, e até adultos, que sentem uma coisa desagradável, mas não sabe nomear. Ele não sabe se aquilo é tristeza, se é raiva ou o quê. Então um dos primeiros sinais é a irritabilidade constante. Outro é o isolamento social, aquele adolescente que tinha muitos amigos, mas que começa a se isolar, ficar no quarto, não quer ver ninguém. Alterações de humor muito intensas e persistentes (fica por muitos dias triste ou irritado) também são um sinal. Esses são alguns dos pontos que os pais devem ficar atentos. Como lidar com isso? Uma aproximação dos filhos para tentar entender o que está acontecendo. Procurar ter um diálogo com eles, abrir um canal de comunicação. Uma vez que isso é muito delicado, e os pais às vezes não se sentem preparados para isso, é preciso procurar uma ajuda profissional. Se os pais percebem que uma série dessas coisas está acontecendo com o filho e não conseguem acessar, precisam pedir ajuda. Seja buscar informações no colégio, saber se a escola também percebeu mudanças de comportamento, se esse adolescente está mesmo diferente, e, claro, ajuda profissional especializada. Outro ponto importante retomando a questão do jogo para ser destacado para os pais e responsáveis é que estejam atentos aos seus filhos. É chocante ouvir ou saber que um adolescente tentou se suicidar devido ao jogo da baleia azul, mas é mais chocante ainda saber que o jogo é composto por 50 desafios, que não serão cumpridos num único dia, que implicam desde cortes com lâminas no corpo, furar o corpo, sair de madrugada para subir no telhado ou fazer inimigos e não haver absolutamente nenhum adulto atento a isso.

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Também recentemente, a série “Os 13 Porquês”, da Netflix, levantou um debate a respeito do Efeito Werther. Segundo essa tese, quando o suicídio é amplamente divulgado, ele torna-se contagioso, ou seja, pessoas com pensamento suicidas se sentem motivadas a tirar a própria vida. Você acha que o seriado, que contém uma cena detalhada de suicídio, pode ser perigoso para pessoas deprimidas? É difícil definir isso. É uma série que está trazendo um assunto tabu para ser discutido. O quanto ele vai incitar ou não alguém ao suicídio, a gente não tem como medir. Mas eu vejo que são assuntos que estão aí e que precisam ser discutidos. A gente precisa estar atento aos adolescentes, a gente precisa ouvir mais, abrir um canal de comunicação maior com eles, que estão passando por uma série de mudanças. Às vezes, os adultos acabam rotulando eles e deixam de ouvir o que está realmente acontecendo do outro lado. Isso pode acabar colaborando com a depressão, caso ela exista naquele caso. E é um pouco também do que traz o seriado. O quanto as pessoas tiveram comportamentos que foram colaborando com o suicídio da personagem principal.

Há registro de pessoas deprimidas que, após assistirem o seriado, tiveram crises de pânico e ansiedade. O que alguém nessa situação deve fazer para se recuperar? O seriado realmente gera ansiedade, porque você tem interesse em saber o que aconteceu e sabe que aquilo que aconteceu não é legal. Então você vai ouvindo o relato que a personagem principal está fazendo de como cada pessoa contribuiu para o suicídio dela. E a gente vai sentindo exatamente o que ela deve ter sentido e o que fez ela chegar ao suicídio. E se a gente está se sentindo ansioso daquele jeito, se estamos tendo crise de pânico, precisamos buscar ajuda. Se eu sou um adolescente, procuro ajuda de meus pais. Se eles não me ouvirem, procuro um professor. Se não der certo, falo com um amigo. Mas procure ajuda.


“A gente precisa estar atento aos adolescentes, a gente precisa ouvir mais, abrir um canal de comunicação maior com eles”


Como as escolas podem se preparar para lidar com o número crescente de adolescentes deprimidos? Eu entendo que a gente precisa se organizar para ter profissionais dessa área alocados nas escolas. E não só com foco na aprendizagem. Porque o que acontece hoje: as escolas até trazem profissionais de psicologia, mas com foco no desempenho escolar. Agora, a gente precisa de profissionais que possam trabalhar com educação emocional. O que isso significa? Ensinar para as crianças e adolescentes, o que são as emoções, como elas funcionam, como utilizá-las da melhor forma. Na clínica, nós recebemos adultos que não sabem nomear seus sentimentos. Não sabem se estão tristes, com raiva ou dor de barriga. É tudo a mesma coisa para eles. E isso é importante de ser dito porque as pessoas não têm clareza sobre o que acontece com elas emocionalmente. E as emoções possuem uma função muito importante de regular o nosso organismo. O nosso organismo tende a funcionar melhor se a gente compreende essas emoções. Se hoje estamos aqui conversando, foi em parte porque as emoções nos trouxeram até aqui. Elas são uma condição de sobrevivência da espécie humana. São muito importantes. Mas não se fala sobre isso, porque dizem que é feio sentir raiva, é feio menino chorar, mas isso é fundamental para a gente sobreviver. Eu posso sentir raiva, o que eu não posso é passar a vida toda sentindo aquela raiva. Eu posso ficar triste, isso faz parte. Se eu perco alguém querido, se acontece algo desagradável, é natural que eu me sinta chateada e triste. O que não é natural é eu passar boa parte da minha vida com essa tristeza. A mesma coisa com a alegria. Se acontece algo bacana, eu vou ficar alegre. Mas eu não vou passar o resto da minha vida com essa alegria. A gente precisa compreender que essas oscilações fazem parte. Mas isso não é trabalhado, não é discutido, não é conversado. A gente só ouve que é feio, que o bom é estar sempre feliz. Mas a gente não está sempre feliz. Impossível isso. É preciso haver essa oscilação. E daí nós temos um adolescente que vê nas mídias sociais que ele precisa estar sempre feliz. Ele não precisa estar sempre feliz! Faz parte da vida essas oscilações.

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