09/02/2018

Campanha visa combater assédio no Carnaval de Artur Nogueira

Mais de 80% das brasileiras afirma já ter sofrido assédio durante a festa

Da redação

Bruna* saiu de casa para ver a festa que ocorria na Avenida Fernando Arens. Junto com a namorada, foi ver como estava a folia naquele Carnaval nogueirense de 2016. No caminho para o local onde ocorria o evento, um grupo de rapazes as cercou e começou a mexer com elas. “Deixa a gente participar, deixa a gente participar também”, diziam eles com movimentos intimidadores e tom de voz alterado.

Assustadas com a ação do grupo, Bruna e a namorada tentaram ignorar o assédio. Seguiram em direção à festa fingindo que a perturbação não era com elas. Irritado com a reação das meninas, um rapaz do bando se virou para as duas, abaixou as calças e mostrou o órgão genital. “É isso aqui que falta para vocês”, esbravejou.

Com medo, elas voltaram para casa e não saíram mais de lá naquela noite.

O Instituto Data Popular divulgou uma pesquisa em 2016 na qual revela que, para 49% dos homens, Carnaval não é lugar de mulher “direita”. O mesmo estudo apontou ainda que 61% deles acreditam que mulher solteira que cai na folia “não pode reclamar de ser cantada”. Como se isso não bastasse, 86% das brasileiras relatam já ter sofrido assédio em público, segundo levantamento do Instituto YouGov – e 82% passaram por isso no Carnaval, como mostra enquete feita pelo site Catraca Livre.

O Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência – recebeu 2.132 ligações de todo o país nos cinco dias do Carnaval 2017. Deste número, mais da metade – ou 1.136 (53,4%) – foi de relatos de violência física. Outros 671 casos (31,4%) foram de violência psicológica.

Por isso, o Portal Nogueirense lançou em 2018 a Campanha #CarnavalSemAssedio. Divulgada nas redes sociais do veículo de comunicação, a proposta do movimento é informar os leitores sobre os abusos sofridos de forma recorrente por mulheres na maior festa popular do país e incentivar a diversão com consciência em Artur Nogueira.

Corpo não é convite

A psicóloga clínica Mayara Sia já atendeu diversas garotas que foram vítimas de assédio sexual. Segundo ela, os atos de violência sexual são fruto do processo cultural-histórico de constituição da ideia de gênero. “A nossa cultura sempre atribuiu à mulher um papel simbólico de resignação, maternidade, de que ela é responsável pelo ideal de família”, explica. “E essa concepção cultural também alimentou o pensamento de que a mulher, na sociedade, tem que se fazer obrigatoriamente atraente para o homem”, continua.

Mayara acrescenta que esse pensamento fomentou a ideia de que o corpo da mulher é algo violável, funcionando como um convite à violência sexual. “Essa concepção histórica interfere em nosso direito de ir e vir. É difícil uma menina hoje sair na rua às 11 horas da noite sem sentir medo”, comenta.

Ela também critica quem justifica a violência sexual com base na roupa que a vítima usava. “Olha, ir com roupa ou sem roupa, com fantasia ou sem fantasia, não dá ao homem o direito de violentar uma mulher”, destaca.

Segundo Mayara, a questão do assédio sexual não é de pequena importância, apesar de muitos classificarem as ações contra esse tipo de crime como “mimimi”. “Muitos não entendem que, por trás desses abusos e dessas atitudes machistas, vêm consequências muito grandes para a mulher. Isso gera transtornos pós-traumáticos, depressão, ansiedade, transtorno alimentar, distúrbios sexuais e de humor, problemas com autoimagem”, ressalta a psicóloga.

Para ela, contudo, a pior consequência desses atos é o sentimento de culpa e nojo que muitas meninas desenvolvem em relação a si mesmas. “A culpa não é dela, não é da roupa que ela usava, não é da fantasia que ela escolheu”, reforça.

Mayara salienta que existem muitas maneiras de chegar numa menina durante o Carnaval sem ofendê-la ou machucá-la. “Não precisa puxar a menina pelo braço, agarrar a cintura, jogar contra a parede. Chama para conversar, pergunta se ela quer dançar. Não use palavras ofensivas, com teor sexual. É desconfortável”, explica. “A partir do momento que a menina se sente desconfortável, isso é uma violência. E pode ser denunciada”.

O mesmo é válido para os casos de violência ou discriminação por orientação sexual. Mayara comenta que esse tipo de agressão, de intolerância contra o diferente, ainda não é compreendido por muitas pessoas. “Da mesma maneira que a opção sexual de alguém não agride o outro, esse outro não tem o direito de agredir alguém que tenha escolhido uma opção sexual diferente”, observa.

Denuncie

Mayara enfatiza que a mulher que é vítima não deve se calar após sofrer qualquer tipo de assédio. “Já chega de as mulheres se calarem nessas situações. Se a menina souber o nome do rapaz, pode chamar um policial”, afirma. “Outra dica é andar acompanhada, sempre com mais de uma menina. E se presenciar uma moça sendo assediada, se aproximar dela, mesmo que não a conheça, para que ela não se sinta sozinha ou coagida”.

Há casos, porém, em que as autoridades não estão preparadas para lidar com as denúncias. Às vezes, o próprio policial reage de forma machista. Mayara presenciou um caso. Ela acompanhou uma vítima de assédio até a delegacia para registrar a ocorrência. Ao ouvir o relato, o plantonista respondeu: “Você já enxergou o tamanho do short que está usando?”.

Recomenda-se que as mulheres procurem, nesses casos, uma Delegacia da Mulher. Como Artur Nogueira não possui uma unidade especial para isso, deve-se procurar a Delegacia de Polícia Civil, onde será registrado um boletim de ocorrência, relatando com detalhes o acontecimento. A vítima pode levar testemunhas do crime ou alguma prova que ela tenha do ato, como fotos e vídeos. Ligue 3877-1400 ou 3827-1100.

Outra opção é o Ligue 180. O disque-denúncia 180 é um serviço especializado em atender casos de violência contra a mulher e funciona 24 horas por dia. As atendentes são sempre mulheres e dão orientações, esclarecem dúvidas e registram denúncias de agressões.

Os casos de crimes como homofobia e transfobia podem ser denunciados nas delegacias de polícia e pelo Disque 100, o Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos.

Casos de violência contra crianças e adolescentes podem ser denunciadas pelos seguintes meios: Conselho Tutelar da sua cidade; Ministério Público – Disque 127; e Delegacia de Polícia Civil.

*O nome verdadeiro foi alterado para preservar a identidade da vítima

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