03/09/2017

Chef formado na Alemanha comenta desafios da profissão em Artur Nogueira

Alexandre Marquart fala sobre experiência de aprendizado na Europa, comida vegana, popularização dos programas de culinária e o problema de se estudar gastronomia no Brasil

Alysson Huf

Alexandre Kemmer Marquart tem 41 anos de idade, mas viveu 15, na Europa. Foi lá que aprendeu a maior parte do que sabe sobre cozinha e se formou em Gastronomia. Com experiência em restaurantes renomados, o chef se mudou para Artur Nogueira há alguns anos para acompanhar a família.

De volta às terras tupiniquins, Marquart trabalhou um ano em um spa de luxo no Rio de Janeiro, onde se especializou em culinária vegano-vital – termo que ele usa para denominar a alimentação que não usa produtos de origem animal e que, também, prioriza a saúde do ser humano. Hoje, ele presta consultoria a antigos clientes e realiza palestras sobre o assunto em várias partes do país.

Em entrevista ao Portal Nogueirense, o chef contou sobre os anos que viveu no Velho Mundo, a importância da alimentação saudável, a ilusão provocada pelos programas de culinária e como a cozinha, ao contrário do que se pensa, é um dos lugares mais perigosos e estressantes para se trabalhar.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

Por que você decidiu ir para a Alemanha? Eu sempre tive a cidadania alemã. Resolvi ir para lá sem saber falar nada de alemão, cheguei com uma mão na frente e outra atrás. Eu fui para ficar um ano, porque eu estava dando um pouco de trabalho em São Paulo (SP). Minha mãe disse para eu ir e passar um ano. Caso eu gostasse, poderia ficar mais. Eu conhecia apenas uma tia que morava lá. Ela me deu um apoio nos primeiros dias e depois deixou eu me virar. E aquele um ano virou 15. Fiquei dos 21 aos 36 anos de idade na Alemanha.

Conseguiu aprender rápido o alemão? Em quatro meses eu já estava falando. Porque eu não conhecia ninguém que fosse brasileiro, e nem queria. Aí aprendi rápido, pois tinha que me virar. Daí em 2001 comecei a estudar gastronomia. Eu tinha 24 anos.


“Cheguei na Alemanha com uma mão na frente e outra atrás”


E por que escolheu estudar gastronomia? Desde pequeno eu via aqueles programas de culinária, aqueles básicos de antigamente. Hoje eles são um marketing total. Antes era “A cozinha maravilhosa da Ofélia” e uns bem básicos mesmo. Eu sempre assistia. E na Alemanha eu tinha que sobreviver de algum jeito. Eu fiquei um ano comendo arroz com ketchup. Eu não sabia nada. Daí conheci uma espanhola, que foi minha namorada por um tempo. Ela cozinhava e me ensinou a fazer frango e outras coisas. Então morei um ano na Espanha, mas não deu certo e voltei para a Alemanha. Conheci um cara lá que, na época, havia sido Chef do Ano aqui em São Paulo (SP), num restaurante chamado Leopoldos. Um restaurante muito bom no Jardins. Ele trabalhava em Berlim, em um restaurante perto do parlamento. E tive a sorte de entrar ali e começar a estudar Gastronomia.

Como foi o curso? Bom, na Alemanha você não vai para uma faculdade, não tem faculdade disso. É muito mais prático lá, bem melhor do que aqui. No Brasil, o sujeito vai para uma faculdade e fica quatro anos em uma cozinha de laboratório. Depois desse tempo, ele sai e fala: ‘Eu sou chef!’. Mas dentro da gastronomia, nós temos um códex: só é chef quem passa por todas as etapas da cozinha. Então tem que passar pelo lava-prato, cozinha fria, acompanhamentos, molhos, carnes, subchef e chef de cozinha. E lá você trabalha cinco dias da semana em um restaurante e um dia na escola. Fica 10 horas na escola e os outros dias são passados num restaurante normal. Em quatro anos, você sai totalmente preparado para o mercado de trabalho, ao contrário daqui. Daí eu trabalhei e estudei nesse restaurante, depois passei por outros e, nos últimos três anos na Europa eu trabalhei na Suíça.

E quando você voltou para o Brasil? Voltei em 2012. Eu conheci minha esposa, Mônica, na Alemanha, mas ela é daqui de Artur Nogueira. Ela então quis voltar, porque, na área dela, o mercado de trabalho daqui é melhor. Daí acabei voltando.


“Só é chef quem passa por todas as etapas da cozinha”


E como foi essa mudança para você, vindo da Suíça para o interior do Brasil? Está sendo. Está difícil. Eu sou adventista do sétimo dia. Enquanto estive na Alemanha, eu estava desvinculado da denominação, então eu trabalhava no sábado. Quando cheguei em Artur Nogueira, resolvi voltar a não trabalhar no sábado. Decidi fazer tudo de acordo com o que eu acredito. Então vieram propostas de restaurantes de Holambra (SP), mas eu não pude trabalhar porque ninguém me dava o sábado livre. Eu tentava argumentar que poderia trocar o sábado pelo domingo, mas não adiantou. Fiquei dois anos desempregado. Isso me deixou mal. Daí comecei a fazer pão. Mas, imagina, eu, com meu currículo, experiência na Europa, fazendo pão em Artur Nogueira, na área de serviço da minha casa. Não que eu desvalorize o pão. Isso me ajudou demais. Mas na minha cabeça eu merecia mais. A minha especialidade é cozinha francesa e italiana, foi o que eu estudei.

E como você conseguiu trabalhar num spa de luxo no Rio de Janeiro? Então, no ano passado Deus me deu um presente, que foi trabalhar nesse spa de luxo em Resende (RJ). É um lugar em que só vão ricos e famosos, e tinha acabado de ser inaugurado. Os médicos de lá eram daqui do Centro Médico de Vida Saudável (Cevisa), em Engenheiro Coelho (SP). Eles me conheciam e me chamaram para trabalhar lá. Foi então que eu conheci a cozinha vegana. Eu achei que teria que fazer comida vegetariana lá, só quando cheguei descobri que era vegana. Morei um ano lá. Minha esposa continuou em Artur Nogueira e planejava ir para lá ao final do ano. Ela ia porque estava crescendo demais o negócio lá. Eu apareci na Revista Veja Rio, jornal O Globo… E pensei que, depois de 15 anos lutando na Europa, finalmente teria a minha hora. Eu lidava com muita gente famosa… E eu pegava os contatos de todos que eu podia.

E por que você não continua trabalhando lá? Depois de um ano, minha esposa arrumou trabalho no Unasp. E eu percebi que não poderia leva-la para lá. Ela estava bem aqui, tinha um bom trabalho, dava aula no Unasp e no Montessori, eu não podia tirar ela daqui. Pedi as contas lá e voltei. Daí eu acabei entrando numa pequena depressão. Eu estava num ótimo momento no spa, cujo dono comanda uma das maiores empresas de comunicação da América Latina e queria me tornar um novo Henrique Fogaça, um Alex Atala. Era um spa de luxo, mas ajudávamos as pessoas por meio da comida vegana-vital, como nós chamamos. Ela vai um pouco além do veganismo, que é uma filosofia em que o animal não pode sentir dor, e ponto. Eles não prezam muito pela saúde. São poucos os que prezam pelo bem-estar. Porque se eu tomo Coca-Cola e como batata frita todo dia, eu sou vegano. A comida vital não, ela preza pela saúde. Então eu não como carne, não porque eu tenha dó do animal (que também tenho), mas o motivo é a saúde. Daí eu me especializei lá nessa cozinha, que usa bem pouco tempero, pouco sal, pouco óleo, nada de fritura. Me especializei nisso e voltei para Artur Nogueira, sem saber o que fazer direito.


“O veganismo é uma filosofia em que o animal não pode sentir dor, mas não preza pela saúde”


O que você decidiu fazer quando voltou para cá? Eu resolvi começar a prestar consultoria para pessoas. Eu tinha o contato de alguns clientes que haviam passado pelo spa e enviei mensagens para eles. Daí comecei a prestar consultoria e, graças a Deus, está vingando. Nesse mês eu tenho uma consultoria com a grande empresária Carolina Perez. Eu tenho contato também com a Valéria Valença, e acabei formando um círculo de amizades em que eu posso crescer bastante. Hoje, eu presto consultoria, realizo workshops, palestras e estou começando um negócio em casa. Porque esse pessoal com quem eu tenho contato é da alta sociedade, mas muito alta. E eu não estou lá por causa do dinheiro. Eu estou para levar saúde a eles. Mas eu quero que as pessoas aqui em Artur Nogueira também tenham isso. Não são todos que têm condições de pagar a minha consultoria. Para esses da alta sociedade, meu preço não é alto. Mas para a maioria aqui, é muito caro. Então estou abrindo um pequeno negócio em casa, onde quero fazer alguns congelados, como almôndega, medalhão, nutella, e tudo vegano-vital.

Você acha que o mercado de comidas saudáveis está crescendo em Artur Nogueira? Sim, temos como bons exemplos a Vegg Vita e a Cheiro Verde. E isso é geral, no Brasil e no mundo. As pessoas estão vendo que isso é uma questão da saúde. Mais de 95% dos casos de diabetes no mundo são causados por causa da carne, não por causa do açúcar. A gordura da carne não se dilui, fica presa no organismo e causa diabetes. Isso sem falar no câncer, que não há nem o que se discutir.

Quais os seus planos na área da gastronomia para os próximos anos? Eu quero fazer a consultoria dar certo, porque é onde terei a chance de crescer. E quero também ter food-trucks espalhados por aí. Eu cozinho há muito tempo, faço comidas boas, mas o que eu gosto mesmo é sanduíche. E vou fazer tudo vegano, com carne de jaca e uns negócios diferentes. Eu amo carne. Me tornei vegetariano há pouco tempo, porque eu ia na casa das pessoas ensinar comida vegano-vital, mas eu mesmo não era, e isso me deixava constrangido. Então ou eu largava esse ramo ou virava vegano-vital. Mas não tem jeito, eu sou o meu produto, eu vendo meu produto. Como eu ia vender saúde para as pessoas sendo gordo e comendo carne? E o projeto é um dia ter uma rede food-trucks. Vou começar aqui em Artur e depois espalhar.

Você acha que a gastronomia hoje é muito romantizada pelas pessoas? Sim, eu penso que há muito modismo nesse meio. Como hoje cozinhar virou moda, eu até me assustei quando voltei ao Brasil. Todo mundo hoje quer estudar gastronomia. Mas por que querem estudar gastronomia? O pessoal hoje fica desempregado e pensa logo em cozinhar, vender marmitex, ter um trailer e vender sanduíche. Acho que isso desvaloriza quem realmente estudou para isso. Eu não curto Masterchef e programas parecidos. As pessoas não sabem o que é estar dentro de um restaurante, o estresse. É um inferno. Um inferno. Muita pressão. É preciso muito domínio próprio. Como eu digo, a cozinha é um dos lugares mais perigosos do mundo. É pressão, gritaria, xingamentos e todo mundo com uma faca. E lá na Alemanha foi bem pesado o trabalho. A gente atendia muita gente, muito turista todo dia. Então hoje eu nem quero mais trabalhar numa cozinha desse jeito. Eu cansei, foi muito estresse. Por isso que a consultoria é o negócio perfeito para mim. Bem mais tranquilo. Vou na casa da pessoa e ensino a cozinhar.


“A gordura da carne não se dilui, fica presa no organismo e causa diabetes”


Que conselho você daria para alguém que está querendo estudar gastronomia? Pense muito bem antes, pois você não tem ideia de onde está se metendo. Não é um mar de rosas. Eu ficava 15, 16 horas todos os dias no restaurante. É pressão do começo ao fim. Hoje o cara acha que tem o jogo de faca e é um chef. Não é assim.

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